10.4.07

O príncipe

Era uma vez um príncipe que construiu um castelo de palavras numa planície gélida; durante os eternos invernos inclementes, prosa e poesia o protegiam da intempérie, e nas manhãs e meio-dias em que o frio arrefecia, as varandas davam vista a um deserto branco e vasto. Mas os castelos de palavras só precisam de silêncio para cair, e assim o príncipe vivia em eterno terror, imaginando se este seria o ano em que as caravanas deixariam de passar, condenando seu reduto à lenta e certa erosão sob as tempestades de neve que afugentam os viventes para, semanas, meses ou anos depois, quando a primeira coluna cedesse, transformar-se finalmente num mausoléu de ruínas congeladas.

Então, sempre que um viajante aparecia - coisa que não acontecia com freqüência, já que não só seus domínios ficavam muito longe de qualquer cidade ou vila, como também eram de difícil acesso mesmo para aqueles que conheciam a localização - sempre que um peregrino aparecia, o príncipe aproveitava a oportunidade para repassar seu repertório de palavras, a fim de reafirmar a confiabilidade da fortaleza e impressionar os visitantes para que estes sempre levassem boas notícias às caravanas mercantes que abasteciam o castelo. Não de víveres, é claro, já que o castelo era, como é de se esperar de um castelo, auto-suficiente neste respeito; e nem de artigos de luxo, já que o príncipe, apesar de considerado excêntrico, era na verdade relativamente modesto. O que era necessário, e mesmo indispensável, eram as longas conversas com os mercantes, que, tendo visitado o país e visto de tudo um pouco, traziam sempre novidades a partir das quais o príncipe construiria novas histórias, fosse para expandir uma ala quando possível, fosse para consertar as muralhas quando preciso - o que pode-se e deve-se dizer como sendo "quase sempre".

Mas nem mesmo os viajados mercantes das caravanas da região poderiam sustentar o castelo eternamente, já que um dia as suas histórias também se esgotariam; e além disso, a troca de anedotas e episódios não lhes parecia vantajosa, já que, apesar da generosidade e hospitalidade do príncipe, eles passaram a se perguntar como e porque é que eles, que tinham que abrir caminho em meio às nevascas por dias até chegarem ao castelo, continuavam vendendo o que eles viam como "velharias de pouco valor", enquanto o príncipe, que "nada fazia", ostentava seu majestoso domínio como "um pavão se exibindo num galinheiro". Assim sendo, num certo ano as caravanas simplesmente decidiram que não fariam mais a rota passando por ali, tomando no lugar um outro traçado que evitava a região mais fria; e com o fim da rota comercial da planície, pouco a pouco os peregrinos também deixaram de trilhar o caminho do castelo. Logo não havia mais quem tivesse notícia do príncipe, e nem quem levasse notícias do mundo até ele; até que, após algum tempo, tanto o príncipe quanto o castelo foram simplesmente esquecidos, não por maldade, mas por esquecimento, mesmo.

E assim continuaram as coisas por anos e anos e anos, até que um intrépido explorador, que havia ouvido falar no lendário castelo de palavras ao visitar um vilarejo da região quando ainda era criança, decidiu se aventurar além da fronteira, atravessando a floresta e entrando no deserto de gelo em busca daquela construção magnífica. Seus amigos tentaram impedi-lo, dizendo: "ninguém sabe onde o castelo ficava, você se perderá e morrerá no frio!" Sua esposa tentou proibi-lo, dizendo: "você não pode me abandonar, você se perderá e morrerá no frio!" E seu companheiro de muitas expedições, que não era tão intrépido quanto o intrépido explorador, tentou dissuadi-lo, dizendo: "eu não quero me perder e morrer no frio!" Mas o aventureiro não pôde ser impedido, nem proibido, nem dissuadido; e, quando ele finalmente partiu sozinho rumo à infinita planície congelada, seus ex-amigos, sua ex-esposa e seu ex-companheiro concordaram que ele havia enlouquecido, e pensaram: "que se perca e morra no frio".

Até hoje, o explorador não voltou. Não se sabe ao certo o que aconteceu com ele, embora todos concordem em concordar que ele simplesmente se perdeu e morreu no frio, como era de se esperar; alguns até imaginam, embora poucos admitam, que talvez ele tenha até mesmo encontrado as ruínas do castelo, mas provavelmete se perdeu e morreu de frio antes que conseguisse voltar. No entanto, ainda há as raras almas que acreditam - embora não admitam, sob risco de serem tachados de loucos - que o explorador não só encontrou o castelo, como o encontrou ainda de pé, e que, junto com o príncipe, o está restaurando com relatos de suas extensas e magníficas viagens mundo afora, e que um dia não só este destemido aventureiro retornará para contar sua mais extraordinária história, como também que o castelo do príncipe se tornará tão vasto e grandioso que será possível vê-lo de qualquer lugar do país, e que então viajantes de todas as regiões visitarão o príncipe e aprenderão, também, a construir suas casinhas de palavras.