22.1.07

As esperas

O sol já terminava a descida por entre os prédios, e agora estava exatamente de frente para seu rosto. Arrependeu-se de não ter trazido os óculos escuros, mas quem sairia de casa com óculos escuros àquela hora, naquela cidade cheia de prédios que tapam o sol a toda hora? Mas ali estava, sentado de frente para o sol, no que ele julgava agora ser o único local na cidade inteira onde era possível ser banhado diretamente pela luz do astro-rei. Então achou graça, e por um momento viu-se muito longe dali, lembrando-se das tardes no sítio do avô, quando corria e pulava e caía por horas até ver o sol descendo, quase sumindo, e então cansava e deitava na grama e ficava olhando o sol desaparecer devagarinho atrás das colinas na distância.

Foi devolvido à realidade por um tropeção do garçom em sua cadeira; o bar começava a se encher de gente que, recém-encerrada a sexta-feira de trabalho, antecipava o princípio do fim-de-semana ainda carregando seus paletós e gravatas, e os garçons faziam o possível para não acertar um cotovelaço nos clientes mais bem vestidos. Arrumou-se no seu lugar, puxou a cadeira mais para a frente e acendeu um cigarro enquanto tentava distinguir as formas e feições das figuras que caminhavam vindo do lado do sol, que agora já estava prestes a desaparecer mas ainda lhe batia na cara e o impedia de reconhecer quem quer que fosse que viesse pela calçada. Talvez fosse melhor assim, talvez fosse melhor não percebê-la desde longe quando ela chegasse, pois ao vê-la se comportaria como um idiota na tentativa de fazer de conta que não a tinha percebido, na tentativa de fazer de conta que estava distraído e que não se preocupava com a hora em que ela chegasse contanto que chegasse. Mas não seria assim, o sol logo desapareceu em meio ao concreto já mal-iluminado pelos postes, e de repente tudo tomou esse aspecto de hora perdida, de não-é-mais-dia-mas-ainda-não-é-noite, em que os últimos restos de claridade só servem para abafar a luz das lâmpadas que acendem, dando às ruas da cidade esse brilho fosco que passa ao voyeur a impressão de ver sem ser visto, e ao paranóico, a de ser visto sem ver.

Acendeu outro cigarro enquanto tentava se adaptar à ausência de luz natural, embora se sentisse à vontade em não enxergar quase nada além das mesas exatamente à sua frente. Apenas se todo o tempo fosse assim, o sol ofuscando-o providencialmente durante o dia e o não-sol o deixando às cegas durante a noite. Mas sabia que logo voltaria a enxergar tudo, e voltaria a ver tudo com a maior claridade possível, sabia que a luz que se lançava sobre tudo o que via não era a luz do sol ou a luz das lâmpadas nos postes, mas sim sua própria luz, seu próprio brilho, essa cabeça iluminista que lançava a razão sobre todos os episódios de sua vida e o transformara desde pequeno nesse monstro racional, nessa aberração intelectual, nessa criatura terrível que transforma as coisas e as pessoas em um amontoado de verdades. Nunca teria o descanso das pequenas mentiras que fazem o dia-a-dia possível, nunca teria um dia-a-dia possível, todos os dias eram impossíveis e assim continuariam sendo; e sendo os dias impossíveis, também o eram as noites, e por isso não dormia há tempos. Apenas perdia a consciência por algumas horas, mas ao levantar no dia seguinte, continuava exausto; e dessa maneira o cansaço de anos e anos se acumulava. Só não se entregava ao descanso eterno, à solução fácil e absoluta, por não ter certeza de que esse descanso fosse eterno, e a solução absoluta.

Não se entregava, mas esperava. E agora, esperava duplamente. Foi num momento em que pensava cabisbaixo que ela não apareceria mais que percebeu sua chegada - ela já havia se sentado na cadeira à sua frente, e lhe segurava uma das mãos entre seus dedos longos e finos. Levantou os olhos para vê-la, para reconhecer aquele rosto triste que se importava sem entender, sorriu sem motivo, baixou novamente a vista e após entregar-lhe a outra mão agradeceu em silêncio a breve companhia na espera maior.

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