2.2.07

Empate técnico

Já andavam pelo cais há alguns minutos, talvez mais. Um dia e quase uma noite já pesavam em cada passo dos dois, mas agora o cansaço pouco importava. Ela sorria meio sem saber porquê, ele não sabia por que não sorria - embora achasse graça nisso, também. Talvez porque houvesse percebido que acompanhava os passos dela, agora o pé direito na frente, agora o pé esquerdo, pé direito, pé esquerdo, iam lado a lado como que sincronizados, e desde que se apercebera disso, se sentia quase obrigado a manter o ritmo, o que, àquela hora e naquelas condições, exigia bastante tanto de sua coordenação quanto de sua concentração. Riu, mas não sorriu. Ela aproveitou o vão aberto no silêncio:

-Já é tarde pra estarmos por aí, disse ela, sem levantar os olhos do chão.

-Ainda é cedo pra estarmos por aí, respondeu ele, também sem erguer a vista.

Deram mais alguns passos sem perder o compasso. Alguém que, de muito longe, os visse caminhando, poderia imaginar que alguém passava em frente a um interminável espelho, a não ser por apenas de um lado haver um sem-fim de veleiros, além de uma ou outra escuna.

-Podíamos parar pra descansar um pouco, disse ela, olhos ainda abaixados.

-Podíamos continuar andando até o fim, respondeu ele, concentrado nas passadas.

Ela mal continha o sorriso, e ele, o riso. Ainda faltava bastante para chegarem ao extremo sul da marina; uma levantada rápida dos olhos, e mal era possível distinguir as lanchas dos catamarãs ao longe, ainda mais para ela, que não sabia o que era um catamarã, só imaginava que não fosse o mesmo que uma lancha. Estavam agora um pouco além da metade do percurso do cais, talvez? "Minhas pernas já não agüentam mais." Nenhum dos dois se atreveu a dar meia-volta para olhar para trás.

-Tudo bem, se você quiser, paramos um pouco agora, disse ele, displicente.

-Não, por mim está ótimo, vamos até lá e voltamos, disse ela, insistente.

Continuaram daí em silêncio. Pé direito, pé esquerdo, pé direito, pé esquerdo, até deixarem para trás as últimas embarcações. Pé direito, pé esquerdo, pé direito, parada completa. À frente, só o mar. Levantaram a cabeça quase ao mesmo tempo, e olharam para trás, para a extensão da caminhada, antes de olharem um para o outro. O cansaço era quase maior que a empatia. Enquanto recuperavam o fôlego, divertiam-se ao tentar falar qualquer coisa e serem impedidos tanto pela própria respiração trôpega quanto pela falta do que dizer. Foi ela quem primeiro juntou três palavras:

-Você anda depressa.

Ele sorriu. Ela riu.

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