1.2.07

Lei da sopa, vol. I: "Atrasado"

(publicado originalmente em janeiro de 2005)

Trancou a porta e chamou o elevador. Enquanto esperava, voltou duas vezes até a porta para conferir se a havia trancado. Não retornaria a seu apartamento por algum tempo, embora ainda não soubesse quanto tempo. Viu o elevador passar reto, subindo até a cobertura. Remexeu os bolsos à procura do isqueiro. Destrancou a porta do apartamento e colocou um pé para dentro, enquanto corria os olhos rapidamente pelo interior da antesala. O ruído do elevador novamente em movimento chamou sua atenção. Rapidamente tirou o maço de cigarros do bolso da camisa e o abriu. O isqueiro estava dentro. O elevador chegou. Ele deu um passo atrás, abriu a porta do elevador e segurou-a com o pé enquanto trancava novamente a porta do apartamento e recolocava o maço com o isqueiro no bolso da camisa. Colocou as chaves no bolso direito da calça, deu mais dois passos atrás e apertou o botão do térreo. Lentamente a porta do elevador voltou até se fechar.

Virou-se para a parede oposta à porta, um espelho que começava na altura da cintura e ia até o teto. Olhou dentro de seus próprios olhos no reflexo. Distraiu-se a ponto de não perceber que o elevador parara. Assustou-se quando a porta abriu, mas controlou-se. Levou a mão suavemente ao cabelo, como se o estivesse arrumando. A bonita jovem que entrava sequer percebeu que o havia assustado. Sorriu para ele através do espelho e cumprimentou-o, embora não o conhecesse. Ele virou-se, abaixou a cabeça e respondeu nervosamente, ainda que de maneira educada. Ela continuou a sorrir para ele até chegarem ao térreo, embora ele mal percebesse. Somente quando ela abriu a porta e saiu é que ele levantou a cabeça e observou-a. Não parecia tão bonita quanto ele imaginara ao vê-la de relance no espelho. Saiu rapidamente do elevador e passou pela moça sem cerimônia. A passos largos, atravessou o hall sem sequer cumprimentar o porteiro. Passou pelo portão e deixou-o entreaberto. Nem percebeu que a jovem havia ficado muito para trás, mas também não se importava.

Assim que colocou o pé na calçada, sentiu o sol forte batendo em seus olhos. Não sabia que horas eram, mas imaginou que já devia ser perto do meio-dia. Parou ao lado do portão. Fez menção de pegar os óculos escuros pendurados na gola da camisa, mas os havia esquecido no apartamento. Preferiu não voltar buscá-los. Viu a moça sair e fechar o portão, caminhando para o lado oposto de para onde ele iria. Franziu as sobrancelhas, pegou o maço no bolso da camisa e tirou de dentro um cigarro e o isqueiro, de uma só vez. Com a mesma mão, pegou também o maço e recolocou-o no bolso. Acendeu o cigarro, colocou o isqueiro no bolso esquerdo da calça e começou a caminhar.

Perguntou as horas para um senhor que lia as manchetes dos jornais numa banca de revistas. Descobriu que eram onze e meia. Não podia ser muito diferente - só com o sol a pino é que era possível entrar alguma luz em meio aos infinitos prédios das ruas próximas. Agradeceu com um gesto leve da cabeça e seguiu em frente, agora duplamente apressado. Abaixou a cabeça, apertou o passo e durante a próxima meia hora preocupou-se apenas em desviar de quem ou o que estivesse exatamente à sua frente. Nem sequer os motivos que o impeliam a apressar-se passaram por sua cabeça; por trinta minutos, ele foi apenas uma locomotiva fumegante, avançando pelas calçadas irregulares enquanto fumava um cigarro atrás do outro, inconscientemente.

Chegou ao meio-dia quase ao mesmo tempo em que seu último cigarro chegava ao fim. Mas não chegara ao seu destino: havia feito a última curva à esquerda uma esquina depois do correto. Olhou em volta procurando as referências que tinha, mas não tinha como encontrá-las. Percebeu que não estava no lugar certo, mas sabia que estava perto de onde devia estar. Soou o apito do meio-dia. Virou-se para a esquina pela qual havia entrado na rua, e voltou correndo. Olhou para a esquerda, depois para a direita. Localizou-se. Correu de volta até onde deveria ter entrado e retomou o caminho certo. Em menos de um minuto chegou, finalmente, aonde queria.

Infelizmente, chegou atrasado. Menos de um minuto atrasado, mas atrasado. Ainda não sabia, então parou e esperou, enquanto tentava, sem sucesso, desgrudar do corpo a camisa empapada de suor. Desistiu, mas sem se incomodar. Bastava, pensava ele, estar ali. Bastaria, tivesse ele chegado a tempo. Mas não chegou. Em pouco tempo, aquela fração de minuto se mostraria uma eternidade; àquele insignificante minuto incompleto somaram-se todos os minutos, horas e dias restantes, até o dia em que não houve mais tempo a ser contado, quando ele finalmente percebeu que não havia perdido somente um pouco de tempo - havia perdido o tempo, para nunca mais alcançá-lo.

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