3.8.07

Mitos e lendas, vol. II: "O menestrel do norte"

Chegou à cidade grande ainda jovem, vindo de longe, tocando melodias que não havia composto, e cantando canções que não havia escrito; pois ali, afinal, quase ninguém compunha e tocava, e quase ninguém escrevia e cantava, e os poucos que o faziam, pouco eram ouvidos. Mas assim que conseguiu a atenção de todos com números emprestados, deixou correr seus próprios versos que lhe escorriam pelas mangas, pelos poros, pelo nariz; e o que era atenção transformou-se em idolatria. A metrópole, uma Hamelin majestosa que aguardava em suspense.

Cantava histórias do povo e histórias de reis, histórias de amor e histórias de guerras, cantava pelos desgraçados, cantava como se pudesse mudar o mundo, cantava como se pudesse mudar a história, conduzir a história, e foi neste pedestal logo o colocaram. A notícia da ascensão do magnífico bardo rapidamente correu o país, e logo todo o mundo conhecido já sabia seu nome; mas a multidão que o seguia dia e noite, acima e abaixo, aparecendo sob sua mesa no desjejum e sobre sua cama no anoitecer, esperando que a cada três passos escapassem dos anéis de seus cabelos novas respostas para os dilemas dos reis e dos homens, transformara o jovem e carismático trovador num cínico e críptico oráculo às avessas.

Primeiro atraiu a Hamelin cancerígena às águas revoltas, onde o choque levou mais de um dos ratos a chamá-lo de traidor, ironia escancarada numa réplica fulminante, quem acreditaria num rato, afinal? Em seguida cantou outra vez as histórias dos desolados, mas negou-lhes a desgraça; desdenhou os indiferentes que se pretendiam simpatizantes e apontou-lhes os perdedores em fila, chamando-os por belos nomes e transfigurando cada tragédia em compaixão mútua, ainda que não compartilhasse do mesmo tipo de piedade. Indiferença diferente, jogos de palavras, inversões de valores, folião em trajes de lorde, emitindo sentenças em código e verso, divertimento irresponsável, malabarismo de forma e caráter que se seguiria deste dia em diante.

***

Parcialmente escondido no alto da torre, ainda correu a vista pela distância, mas partiu antes da chegada dos cavaleiros. Vaga pela noite tamborilando, desafiando as horas, protesto lúdico em dança de roda; e assim o fará mesmo que por vezes o vento, a tempestade e o acaso o açoitem e o façam procurar abrigo, até que a amargura e a escuridão finalmente se tornem mais fortes e o coloquem à porta dos céus, onde ao menos não haverá ninguém esperando respostas impossíveis.

"It's not dark yet
But it's getting there."

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